- Sua mãe você e seus irmãos sofreram um acidente de carro. - disse ele preocupado com minha reação, ou parecia estar. -E, como você pode ver você não sofreu quase nada só dor nos músculos.
Sim eu realmente estava com muita dor, não havia percebido isso. Mas não me interessava agora.
-E... Aconteceu algo grave a eles?-já não estava mais gritando agora quase gaguejava.
-Infelizmente Liz um de seus irmãos está fazendo uma cirurgia de grande risco agora, e os outros não resistiram.
Não resistiram. Eu sabia o que aquelas palavras significavam mais não faziam sentido em minha cabeça não conseguia crer no que ouvia, quer dizer como eu viveria sem minha mãe? Como conseguiria encarar a vida daqui para frente.
Alguns dos minutos de mais tensão da minha vida estavam se passando ali. Ainda incrédula algo interrompeu minha linha de pensamentos.
-Liz?- era o médico preocupado com minha reação, eu devia estar em choque.
-S-s-sim?- perguntei gaguejando, lágrimas já escorriam de meus olhos.
-Você está bem? – ele perguntou, é lógico que não estava, minha cara de choque já dizia tudo.
-Qual de meus irmãos não...?- não consegui continuar, a palavra morreu ainda era grande para ser pronunciada, ela não conseguia passar por minha garganta naquele momento.
-Miguel estava atrás de sua mãe, o lado esquerdo do carro foi totalmente abatido, ao que me informaram um caminhão bateu a diagonal de seu carro, Renata e Miguel não resistiram, mas por sorte Rafael sobreviveu ele terá que... - já não ouvia mais nada, Miguel e minha mãe... Mortos. Não sabia que rumo a minha vida ia tomar, o choque dominou totalmente o meu corpo, eu não me mexia, acho que o médico estaria pensando nesse momento se eu estava em coma ou algo assim se não estivesse chorando.
Até que minha avó entrou pela porta do pequeno quarto branco, assustada, com os olhas de cansaço, parecia que já chorará muito.
-Liz! – pareceu como se fosse um milagre me ver consciente, e realmente era.
-Vó? – chorava mais agora não conseguia parar.
Ela correu ao meu encontro e me abraçou, um abraço que me fez gemer de dor, doía meus músculos estavam muito doloridos, ela me soltou, e sorriu, um sorriso fraco, não tentei sorrir também, não era uma boa hora para sorrir.
-Liz sua mãe... - ela começou a dizer.
-Eu já sei. –disse interrompendo-a e abaixando a cabeça.
Voltei a me concentrar em meus antigos pensamentos, que dia era hoje? Quantos dias fiquei apagada? Onde eu estava?
-Eu desmaiei durante quanto tempo? – parecia muito, pela minha mínima lembrança do acidente.
-Durante quinze horas. – ela esperou. – A batida aconteceu a alguns quilômetros de Kilops então te levaram a um hospital de uma cidade vizinha. Fizeram alguns exames em seu irmão tiveram que levá-lo a esse hospital em Kilops para executar a operação. - apenas balancei a cabeça.
Era dia 20 de Julho, acho que umas onze horas da manhã, não estava cansada já passará por quinze horas de inconsciência e pânico, apenas preocupada por meu irmão e abalada por com as mortes.
-Ele ainda está fazendo a cirurgia? –perguntei num tom fraco.
-Sim, ele só poderá sair do hospital daqui a cinco dias –ela abaixou a cabeça –dependendo do resultado da operação... - disse ela num tom fraco de voz.
Então era assim que me vida acabaria? Sem nenhum parente além de minha avó? Se não bastasse a morte de meu pai agora de meus dois irmãos e de minha mãe.
Não! Ele vai sobreviver, eu sinto, eu sei que ele vai, ele nunca me deixaria assim.
Com fé em meus pensamentos continuei:
-Eu poderei sair quando desse hospital? –não gostava nada de hospitais: são ambientes fechados, sufocantes, aquilo não estava me agradando. -ela olhou para o médico ele balançou a cabeça.
-Podemos sair hoje se você quiser. –disse ela com um olhar pensativo.
É claro que queria sair daquele lugar, era insuportável.
-Sim, eu quero sair daqui. - disse, já parava um pouco de chorar.
Estão os dois saíram e começaram a conversar, provavelmente sobre mim. Aproveitei o momento para enxugar minhas lágrimas.
Eles voltaram depois de alguns minutos.
-Olhe Liz, o doutor vai preparar tudo para sairmos, está bem? –apenas concordei com a cabeça.
Minha avó saiu do quarto e ficou esperando o médico tirar todos os fios de mim e me dar roupas que minha avó trouxera, uma calça jeans e uma blusa de frio amarela.
Depois de alguns minutos, eu já estava pronta.
Minha avó me ajudou a sair do hospital, estava tonta não conseguia andar direito, ainda estava muito abalada. Depois entramos em seu Uno e fomos direto para sua casa. No caminho, desviei o pensamento de minha mãe e de meus irmãos apenas esquecendo da realidade olhando a janela vazia uma pequena cidade desmovimentada.
Nevando, estava nevando, como sempre, caiam lindos flocos de neve no chão e se juntavam ao resto da imensidão branca.
‘’Era apenas outra quarta’’ pensei comigo mesma para afastar todo o pânico e terror que enfrentara naqueles últimos dois dias.
Assim que chegamos em casa, eu me lembrava exatamente de tudo, nada havia mudado, depois de um almoço em silêncio eu subi para meu quarto e me afoguei em histórias de ficção o resto do dia, só levantei para lanchar, mesmo assim não tinha fome, nem no almoço nem no lanche eu tinha fome, só comi para minha avó não reclamar ou falar que eu iria morrer de fome, nenhuma palavra foi dita dentro daquela casa, até depois da hora do lanche, depois subi para continuar lendo.
Lá pelas dez horas da noite, me impressionei por minha avó não ter vindo conversar comigo, isso foi muito bom, pois não tive nenhum pensamento negativo durante meu tempo livre.
Enquanto dormia, sonhei. Eu estava de novo ao lado de minha família completa, lembrei de meus momentos felizes e como um filme o momento do acidente renasceu em minha mente, eu me lembrei de tudo, do que ela me disse, do que aconteceu um pouco antes, tudo.
-Nããããão! Mãe, não! -acordei desorientada gritando ofegante em meu quarto, e desabei a chorar, um minuto depois e minha avó estava lá vê vendo chorar e foi me dar apoio, aquilo pra mim ainda não tinha passado, depois ela apenas disse ‘’tente dormir’’ e saiu.
Não tive sucesso nessa tarefa, então me dediquei a chorar contra o travesseiro para não acordar minha avó pelo resto da noite.
De manhã não agüentei, tinha que dormir. Chorando ou não, eu tinha que dormir.
Acordei um pouco tarde, quatro horas da tarde, aquele dia não tinha sido fácil para mim.
Vesti um moletom azul e uma outra calça jeans. Desci as escadas, na bancada da cozinha havia um bilhete de minha avó:
Fui ver seu irmão, ele reagiu à cirurgia.
Beijos Vovó
Suspirei de alívio, vivo, ele estava vivo. Mas minhas preocupações não aviam acabado. Queria saber como ele estava, se podia voltar ou ficaria por mais tempo, mas teria que esperar. Meu estômago roncou, eu realmente estava com fome. Fui até a pequena cozinha procurar algo que me agradasse. Achei biscoitos de polvilho, comi bastantes, já estava sem fome depois de acabar com o pacote, subi para continuar a leitura de meu livro.
Meia hora depois a porta gemeu, era minha avó. Até que pudesse voltar à leitura de meu livro a voz de minha avó gritou:
- Liz?! –era uma voz meio preocupada.
- Sim? –quase gritei sem muito interesse.
-Quero conversar com você – disse ela subindo a escada.
Palavras que me matariam estavam, a seguir, a serem ditas. Ela falaria algo de meu irmão, eu tinha certeza, e algo ruim iria sair de sua boca.
Ela entrou em meu quarto sentou ao meu lado na cama. Queria tapar os ouvidos, mas isso seria muito infantil.
-Liz... –fez uma pausa - Seu irmão não ficou completamente curado, ele teve um problema na coluna vertebral e os médicos disseram que...
Este momento eu fechei os meus ouvidos automaticamente, realmente não queria ouvir nada, passaram alguns instantes e a minha consciência soava, ande logo! Abra esses ouvidos! Ouça sua avó! Sua idiota! Anda! Covarde!
-Entendeu? –perguntou minha avó. É, eu realmente fiquei tempo demais sem escutar.
-Hã? Pode repetir, por favor? –dessa vez eu iria escutar.
-Seu irmão ficou paraplégico. –nesse momento imaginei aquele garoto cheio de vida e alegria numa cadeira de rodas. Fiquei boquiaberta, não acreditava no que ouvi.
-Ele ficará apenas mais alguns dias no hospital, logo ele voltará.
-E... Co-como ele está? – gaguejando eu consegui falar alguma coisa, ainda estava impressionada.
-Inconsciente. –ainda não devia ter acordado.
Passaram alguns minutos de pensamentos atordoados em minha mente, 1, 2 ,3, aquilo não fazia diferença eu estava chocada.
-Então, não vamos mais tocar nesse assunto? –ela sugeriu.
-Cla-claro...
Então fiquei deitada em minha cama pensando em minha situação, estava muito difícil nesse momento, principalmente para meu irmão, ele não merecia ficar paraplégico, não merecia ter o irmão gêmeo e a mãe mortos aos 10 anos de idade, e ainda ter que aturar a irmã que saiu inteira do acidente.
Não percebi o tempo passar. Já eram seis horas da tarde, a porta bateu. Curiosa e sem nada para fazer, desci a escada e encontrei a amiga de minha avó na porta, a abri e vovó a convidou para um lanche, me juntei a ela. Os biscoitos não foram suficientes, quando estávamos lanchando a amiga de minha avó tagarelava sobre vários assuntos ao mesmo tempo, até que ela se virou para mim e perguntou:
-E você, Liz, como está reagindo com a morte de sua mãe e de seu irmão, e a paraplegia dele? –trinquei os dentes, mas ela continuou - Sabe, não foi tão ruim, poderia ter sido pior: os dois poderiam ter morrido, e você também. Imagine que trágico, uma família morta sem deixar muitas historias a contar...
Estava tentando manter minha raiva para não usá-la fisicamente e torná-la apenas psicológica, funcionou, mas assim que fiz isso ainda estava torcendo para algo acontecer e deixar que ela deixa-se de tagarelar, aquilo estava me matando.
De repente um tremor na terra aconteceu, mas não havia nada que me disseram sobre Kilops ter terremotos. Me assustei, mas me senti alivia assim que a amiga de minha avó parou de falar, e o terremoto acabou logo depois de meu alívio.
Minha avó me encarou com os olhos arregalados. Como se fosse minha culpa! Era o momento mais perfeito para fugir para meu quarto.
-Com licença. –disse num tom leve, eu era a menos preocupada com o terremoto, aquilo me salvou, poderia ter acontecido coisa pior pelo o que eu saiba.
Saí rapidamente da mesa e corri em disparada pela escada entrei em meu quarto e me tranquei, comecei a ouvir músicas, tranqüila por ter sido salva.
Alguns minutos depois eu ouvi a porta bater, provavelmente a amiga tinha ido embora. E depois ouvi minha avó subir pelas escadas e bater em minha porta.
- Podemos conversar? –quem tido morrido ou ficado paraplégico agora? Apenas abri a porta com cara de desinteresse.
- O que é agora? –queria apenas me deitar e ouvir músicas até dormir.
- Bem... –disse ela entrando com uma cara de preocupação. Levantei uma das sobrancelhas em dúvida enquanto ela entrava no meu quarto e assentava-se ao meu lado. –Acho que preciso te contar...